quarta-feira, 23 de abril de 2008

"11 Fevereiro": Comunicacao de SE Dr. Jose Ramos-Horta ao Parlamento Nacional


COMUNICAÇÃO DE SUA EXCELÊNCIA

DR. JOSÉ RAMOS-HORTA

PRESIDENTE DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE
PRÉMIO NOBEL DA PAZ

AO PARLAMENTO NACIONAL

23 DE ABRIL DE 2008

Exmo. Senhor Presidente do Parlamento Nacional
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro
Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Recurso
Exmo. Senhor ex-Presidente da Republica, Francisco Xavier do Amaral,
Exmo. Senhor ex-Presidente do PN Francisco Guterres Lu’Olo
Exmo. Senhor ex-PM Dr. Mari Alkatiri
Exmo. Senhor ex-PM Eng. Estanislau da Silva
Exmo. Senhor Procurador-Geral da República
Exmo. Senhor Chefe do Estado-Maior General das F-FDTL
Exmo. Senhor Comandante-Geral da PNTL a.i.
Exmas. Senhoras e Senhores Deputados
Exmas. Senhoras e Senhores Membros do Governo
Exmos. Membros de Autoridades Civis e Religiosas
Exmo. Senhor RESG da ONU, Dr. Atul Khare
Exmos. Membros do Corpo Diplomático e Consular,
Exmas. Senhoras e Senhores Convidados,

Povo de Timor-Leste,

Excelências,

Volto hoje a esta Casa da Democracia timorense depois dos tristes e trágicos eventos de 11 de Fevereiro. Sem a intervenção divina, e a sabedoria e dedicação dos médicos e enfermeiros em Dili e Darwin, eu não estaria hoje entre vós. Quis Deus que eu sobrevivesse.

Este ano celebra-se o 40º. Aniversário do assassínio de Martin Luther King, homem de diálogo e tolerância, distinguido com o Prémio Nobel de Paz, lutador generoso e inspirador pela emancipação dos negros americanos e dos oprimidos de todo o mundo.

Martin Luther King, Mahatma Ghandi, Olof Palme, John F. Kennedy, Robert F. Kennedy, Patrice Lumumba, Kwame N’Kruma, Amílcar Cabral, são alguns dos grandes nomes do século XX que não sobreviveram às balas dos assassinos. Deus chamou-os para junto de si, privando a Humanidade da sua grandeza moral, força intelectual e inspiradora. Mas eles legaram à Humanidade as grandes lições que ainda hoje nos inspiram. Esta sua herança é eterna e inspira-nos no dia-a-dia.

Eu sobrevivi as duas balas disparadas a menos de 20 metros de distância. Sou pequeno comparado com a grandeza daqueles mártires que sempre foram a minha inspiração. E pergunto por que Deus quis que eu vivesse, mas nos privou desses grandes homens. Só Deus sabe.

Os estilhaços das balas que me atingiram pararam a poucos milímetros da coluna e a poucos centímetros do coração e do pulmão. Nenhum órgão vital foi atingido. Deus quis que eu continue a fazer uso de todas as minhas modestas faculdades para continuar a minha obra modesta em prol deste nosso grande povo e em prol da Humanidade.

Uma freira amiga australiana contou-me que ela e outras irmãs rogavam a Deus para me salvar, dizendo: “Deus, Tu não necessitas dele no Céu. Nós necessitamos dele na Terra”. E Deus ouviu esse pedido.

No dia 11 de Fevereiro eu fiquei na fronteira entre a vida e a morte. Nesses momentos parecia ver e sentir que um grupo de homens me tentava asfixiar. Assim como Cristo perguntou ao Pai quando foi crucificado “Pai porque me abandonaste”, eu perguntei “Que ao menos me diga que mal fiz”.

Ouvi então uma voz muito clara, voz que nunca mais esquecerei, dizendo para os meus algozes: “Larguem-no, ele não fez mal a ninguém”. Logo em seguida os meus algozes sumiram e senti uma sensação de ligeireza, a sensação de que estava vivo. Acredito que era uma voz de comando, a voz de Deus. Fui também salvo pelos “matebians” e “lia nains” que eu sei que em todo o Timor-Leste oraram por mim e me protegeram.

Por isso, estou hoje aqui, perante vós, de novo nesta nossa Terra sagrada, no meio deste povo que já tanto sofreu e que sofreu com o meu sofrimento.

As orações, as vigílias, os rituais sagrados que têm a força de milhares de anos e a recepção de que fui objecto no dia 17 de Abril, reflectem a grandeza do vosso coração, da vossa bondade, a grandeza deste nosso povo. Não sabia que merecesse tanto, eu que sou um pecador.

As orações e todas as atenções de que fui objecto da parte pessoas em todo o mundo, grandes e pequenos, poderosos e fracos, ricos e pobres, de todas as culturas e religiões, comovem-me profundamente e ensinam-me a ser mais humilde, paciente e tolerante.

Exmos. Senhores e Senhoras,

Agradeço aos senhores Deputados, de todas as bancadas, que me telefonaram, enviaram mensagens, ou se deslocaram a Darwin para me transmitirem o seu apoio.

Felicito o Senhor Presidente do Parlamento Nacional, Fernando “La Sama” Araújo, pela serenidade e equilíbrio com que assumiu as suas responsabilidades enquanto Presidente da República interino.

Agradeço sentidamente a todas as personalidades, nacionais e estrangeiras que me visitaram, contactaram e acompanharam a evolução do meu estado de saúde, ao meu anfitrião e amigo,o Sr. Primeiro-Ministro da Austrália, Kevin Rudd, assim como o Gen. Peter Cosgrove, ex-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas australianas ao Chief Minister e vários Ministros e Deputados do Território Norte.

Aos Srs. Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Embaixadores de Portugal, Brasil, EUA e Japão, ao Embaixador do Brasil em Canberra, assim como o Encarregado de Negócios da Venezuela, que me trouxe uma mensagem do Presidente Hugo Chavez, ao meu amigo Guigliermo Colombo, ao Embaixador de Kuwait em Jacarta, ao Dr. António Franco, do Banco Mundial, ao Dr. Atul Khare, que me visitou várias vezes no hospital e durante a minha convalescença, revelando a sua amizade e preocupação, registo a minha sincera apreciação.

Aos nossos estimados e venerados bispos, Dom Alberto e Dom Basílio, sacerdotes e freiras em todo o Timor-Leste que oraram por mim noite e dia. A eles o meu sincero e profundo agradecimento.

Agradeço a todos os Chefes de Estado e de Governo, ao Secretário-Geral da ONU Sr. Ban Ki-Moon, ao presidente da Comissão Europeia, Dr. José Manuel Durão Barroso, aos membros do Congresso e do Senado dos Estados Unidos, deputados de outros países amigos, às personalidades amigas de Timor-Leste, que me visitaram, telefonaram, enviaram mensagens ou, de outras formas, me transmitiram a sua preocupação e o seu cuidado.

Agradeço a Sua Santidade o Papa Bento XVI, cujas palavras amigas ajudaram a renovar a minha energia.

E agradeço muito especialmente a todo o povo timorense as manifestações de apoio e as mensagens – que continuo ainda a receber diariamente. A toda a população agradeço o apoio que me transmitiu e a preocupação que revelou – com a minha saúde e com o futuro da nossa sagrada terra, Timor-Leste. Perante este nosso povo simples, humilde, pobre, que nada tem mas tudo dá do seu coração generoso, curvo-me em humildade.

Deixo o meu testemunho de gratidão e uma palavra muito especial para a comunidade timorense em Darwin e na Austrália, em geral, pelo apoio e amizade que manifestaram.

Agradeço as visitas do Senhor Presidente do Parlamento Nacional, Fernando “La Sama” Araújo, a visita do Senhor Presidente interino do Parlamento Nacional, senhor Vicente Guterres, do Senhor ex-Presidente do Parlamento Nacional, Francisco Guterres Lu’Olo, e dos Senhores ex-Primeiro-Ministros Dr. Mari Alkatiri e Eng. Estanislau da Silva.

Ao Senhor Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, agradeço a sua visita e todas as iniciativas e atenções que teve para proporcionar condições para a minha recuperação e para o bem-estar dos familiares que me acompanharam. Vossa Excelência, Sr. Primeiro-Ministro, revelou uma vez mais as suas qualidades de liderança em momentos difíceis e cruciais, em que um líder é posto a prova. Vossa Excelência foi igualmente alvo de um atentado contra a sua pessoa, mas soube agir com serenidade.

O meu apreço ao Comando Conjunto das F-FDTL e PNTL pela sua acção profissional e estabilizadora da nossa comunidade nacional. Estão de parabéns pela forma disciplinada como se comportaram, com profissionalismo e eficácia, e respeitando sempre os direitos fundamentais das populações.

Por intermédio do seu comando, nas pessoas do Sr. General Taur Matan Ruak e do Sr. Afonso de Jesus, saúdo todos os homens e mulheres das F-FDTL e da PNTL, ao serviço da operação do Comando Conjunto. Deixo também o meu reconhecimento aos efectivos da UNPOL e das ISF.

Agradeço ainda, entre muitos que poderia citar, à senhora deputada a este Parlamento Nacional, Dr.ª Ana Pessoa, ao senhor Eng. João Carascalão, cunhado e amigo, ao Dr. Rui de Araújo, na sua qualidade de médico e amigo, a amizade e a disponibilidade com que acompanharam, desde os primeiros dias, a minha recuperação em Darwin.

Reitero o meu agradecimento à GNR e aos profissionais da Emergência Médica portuguesa, em Díli, em especial ao senhor enfermeiro Jorge Marques, que primeiro me assistiu na manhã do dia 11 de Fevereiro. A reacção pronta da GNR revelou uma vez mais não só o seu profissionalismo, mas também a sua amizade, que vai para além do dever.

Agradeço também, muito especialmente, ao pessoal do Aspen Medical Centre, de Díli, e aos militares australianos que se prontificaram a dar sangue, contribuindo para a estabilização do meu estado de saúde, nas primeiras horas após ser ferido.

Exmos. Senhores e Senhoras,

A intervenção dos médicos e dos outros especialistas do Aspen Medical Centre foi essencial para eu chegar vivo a Darwin e poder estar, hoje aqui, a falar perante este Parlamento Nacional.

Agradeço também aos profissionais do Hospital Real de Darwin pela dedicação com que me trataram. Naquele hospital fui tratado com especial atenção e carinho por todos, desde os funcionários de limpeza, aos enfermeiros e médicos, chefiados pelo Prof. Phil Carson, cirurgião que chefiou a equipa médica que me operou.

Não posso deixar de agradecer ainda aos agentes da Polícia Federal Australiana e da Polícia do Território do Norte, que acompanharam a minha estada em Darwin.

Ao Governo e ao povo australianos, o meu eterno reconhecimento. O Primeiro-Ministro Kevin Rudd, assim como todo o povo australiano, revelaram verdadeira amizade e solidariedade, não só para comigo, mas também para com todo o povo timorense.

Deixo ainda uma palavra de louvor aos servidores da Presidência da República, nacionais e internacionais, pela maneira como asseguraram a estabilidade do funcionamento dos serviços e como apoiaram o desempenho das funções do Senhor Presidente da República interino.

Aos meus familiares, a minha sofrida mãe, meu filho, irmãos, tios, sobrinhos, primos, cunhados, em Timor-Leste, na Austrália e em Portugal, que choraram, sofreram e velaram por mim, passando noites à minha cabeceira, sempre atentos ao meu chamamento, fico eternamente grato.

Excelências,

Vou agora abordar a questão do Sr. Alfredo Reinado e dos ditos “peticionários”.

Todos conhecem o meu empenhamento na busca de uma solução pacífica para o caso do senhor Alfredo Reinado. A sua resposta aos esforços de diálogo e de paz foi, infelizmente, a que conhecem. Ao longo de um ano e meio, explorei todas as vias possíveis para resolver estas duas questões pela via do diálogo, nunca hesitando em deslocar-me até onde fosse necessário para ouvir o Sr. Alfredo Reinado e o Sr. Gastão Salsinha.

No dia 11 de Fevereiro, eu não tinha nenhum encontro marcado com o senhor Alfredo Reinado. Não agendei nenhuma reunião com o Sr. Alfredo Reinado na minha residência.

As reuniões que tivemos foram sempre fora de Díli e nunca foram secretas. Ao longo de quase dois anos de esforços para a solução deste caso, assim como de muitos outros, optei sempre pela transparência, informando sempre todos os colegas da liderança. Quando se realizavam reuniões, os meus colegas de liderança eram sempre informados por mim, incluindo o ex-Primeiro-Ministro Mari Alkatiri e o Fórum de Alto Nível. Eu não teria agendado uma reunião em minha casa sem ter consultado e informado o Sr. Presidente do PN e o Sr. PM.

No passado dia 11 de Fevereiro, saí de casa às 6 da manhã e dirigi-me ao Cristo-Rei, a passo rápido, para o meu exercício matinal habitual. Fui acompanhado de dois elementos das F-FDTL. No regresso, cerca das 6h50, ouvi tiros. Continuei o meu exercício e, uns cinco minutos mais tarde, ouvi uma segunda rajada de tiros. Nessa altura, percebi que os tiros vinham da área da minha residência.

Continuei a andar e cruzei-me com uma pessoa conhecida que me disse haver exercícios das ISF na zona da minha casa. Fiquei perplexo por não saber de tais exercícios e dever ter sido informado. Prossegui em direcção a casa e vi, a alguma distância à minha frente, uma viatura das F-FDTL caída numa vala, não longe do portão principal da casa. Não havia ninguém visível, muito menos efectivos das ISF. Fiquei preocupado com a segurança das crianças e de outras pessoas acolhidas em minha casa e apressei o passo.

Mas, logo a seguir, um dos elementos das F-FDTL que me acompanhava alertou-me para a presença de um homem armado, a uma dezena de metros de distância, junto ao portão principal da residência.

Pude ver esse homem claramente; estava com um uniforme militar, que eu sabia ser do grupo do senhor Alfredo Reinado, e apontou para mim a sua arma. Virei-me com a intenção de correr e de me afastar mas, nessa altura, ele disparou, atingindo-me pelas costas, do lado direito. Cai na estrada e os dois efectivos das F-FDTL correram para mim, tentando socorrer-me.

Antes de ser atingido, quando fazia o caminho de regresso a casa, telefonei ao senhor Gen. Taur Matan Ruak para o informar de que havia tiroteio na zona da minha residência. O Gen. Taur imediatamente mobilizou os homens sob seu comando para fecharem as saídas de Dili do lado de Hera e Fatuahi. Ao mesmo tempo, foi ao Campo Fenix para pedir ajuda ao comandante da ISF. Dali, deslocou-se ao Comando da GNR e ficou mais tranquilizado quando constatou que a GNR já estava a actuar.

Depois de ter sido ferido, pedi aos militares que estavam comigo para tirarem o telemóvel do meu bolso e eu próprio telefonei à minha Chefe de Gabinete, a quem pedi para informar a UNPOL e as ISF de que tinha sido atingido.

Revelando uma total falta de respeito pelo Chefe de Estado, o senhor Alfredo Reinado e o seu grupo forçaram a sua entrada na minha residência, desarmaram elementos da segurança pessoal do Presidente da República e apropriaram-se ilegalmente de mais armas. Este comportamento não é de quem vem para dialogar.

O elemento das F-FDTL que atingiu o senhor Alfredo Reinado e seu guarda-costas cumpriu o seu dever perante um acto criminoso, punível severamente em qualquer país do mundo.

Um dos assaltantes aguardou o tempo necessário pelo meu regresso e disparou, friamente, sem aviso, contra a minha pessoa.

Trata-se de acto extremamente grave – a agressão a tiro, deliberada – contra uma pessoa desarmada, e contra um Chefe de Estado democraticamente eleito.

Aguardo serenamente os resultados da investigação que está em curso e reitero a minha confiança no PGR, e felicito-o a si e a toda a equipa que beneficia de excelente apoio de agentes da Policia Federal Australiana, da POLRI e do FBI pelos progressos já realizados. A POLRI, agindo sob autoridade do Presidente da Republica da Indonésia, já deteve três cúmplices do Sr. Reinado que entraram ilegalmente na Indonésia logo a seguir ao criminoso atentado de 11 de Fevereiro.

Relativamente ao Sr. Gastão Salsinha, ao tornar-se cúmplice do senhor Alfredo Reinado perdeu toda a legitimidade, ou razão para fazer exigências e dirigir-se ao Chefe de Estado. O Sr. Gastão Salsinha deve entregar-se imediatamente, entregar todas as armas, e enfrentar a Justiça.

A operação do comando conjunto deve continuar, tendo em vista recuperar todas as amas e deter todos os elementos armados que agem em cumplicidade com o Sr. Gastão Salsinha.

Este senhor não representa os peticionários, que escolheram acantonar-se, e não merece o título de tenente das forças armadas. O seu comportamento não é próprio de um oficial das forças armadas. Quem veste uma farda sabe que pesa sobre si uma elevada responsabilidade. No caso de um oficial do exército, tem a elevada responsabilidade de defender o bom nome da instituição a que pertence, a integridade das instituições do Estado e os órgãos da soberania nacional.

Ao longo de quase dois anos, não só quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, como depois enquanto Primeiro-Ministro e, agora, como Presidente da República, eu próprio proporcionei, ao Sr. Gastão Salsinha, muitas oportunidades para depor as armas. Sempre insisti com ele e com os ditos “peticionários” para nunca usarem da violência.

Em Julho de 2007, por intermédio do ex-Deputado Leandro Isaac e do Sr. Procurador-Geral da República, avistei-me com os senhores Amaro da Costa Susar e Felisberto Garcia Pinto, em Alas, tendo dialogado com ambos. Fizeram a entrega de uma arma e prometeram que se entregariam, eles próprios e mais armas, alguns dias depois. O Sr. Susar mudou de ideias e voltou a juntar-se ao Sr. Reinado. O Sr. Garcia revelou maior maturidade e seriedade e deslocou-se a Dili, apresentando-se ao Comando da PNTL e, a seguir, à Presidência da República, com uma arma. Como manifestação de boa fé e confiança integrei de imediato o Sr. Garcia na equipa da minha segurança pessoal.

Caros Senhores e Senhoras,

A Comissão de Notáveis, criada em Abril de 2006 pelo então Primeiro-Ministro, Dr. Mari Alkatiri, foi constituída por personalidades timorenses representando o Governo, o PN e a Sociedade Civil, como era exigência dos “peticionários”.

Eu próprio auscultei a opinião do Sr. Gastão Salsinha numa reunião realizada na minha residência no dia 27 de Abril de 2006. Ele revelou-se satisfeito com os nomes indicados. No entanto, após a formação da Comissão, o Sr. Gastão Salsinha não só não quis cooperar, como instrumentalizou os seus homens a não cooperarem, revelando má fé.

Durante o meu breve mandato como Primeiro-Ministro, mantive várias reuniões com o General Taur Matan Ruak e com todos os oficiais superiores, para encontrarmos uma solução justa e digna para a questão dos “peticionários”.

Sempre disse que não seria possível modernizar as nossas forças armadas e pôr em prática o modelo de forças recomendado no Estudo 20/20 sem termos resolvida a questão dos ditos peticionários.

O Sr. General Taur Matan Ruak e os oficiais do seu Estado-Maior que combateram 24 anos – graças aos quais somos hoje um país livre e independente – e que sobreviveram graças ao apoio do povo pequeno e pobre, são homens de coração de ouro.

Quando fazemos face a um conflito, ou a situações em que as partes não estão em acordo, procuramos resolver o conflito pela via do diálogo e esse processo de diálogo só pode produzir um resultado positivo para todas as partes se cada uma delas estiver a agir de boa fé e a colocar os interesses nacionais acima de tudo. A chefia militar endossou a minha proposta, esta que o actual executivo AMP está a executar.

A minha proposta resume-se no seguinte:

- Não haverá readmissão em bloco de todos os “peticionários”;

- Haverá um novo processo de recrutamento com base na Lei de Serviço Militar Obrigatório que o II Governo Constitucional enviou ao PN e que foi aprovada e promulgada em 2006;

- Os “peticionários” que queiram regressar às fileiras das F-FDTL terão de se submeter a um novo processo de recrutamento, não havendo garantia de que o requerente seja readmitido;
- Os “peticionários” que prefiram optar pela vida civil serão elegíveis para receber um incentivo monetário equivalente a três anos de seu vencimento.

Em duas ocasiões, por intermédio do Sr. Augusto Júnior, de MUNJ, auscultei a opinião do Sr. Gastão Salsinha sobre a minha proposta. Conforme o Sr. Augusto Júnior, o Sr. Gastão Salsinha mostrou-se positivo, alias, muito entusiasmado em relação `a minha proposta. Embora o Sr. Alfredo Reinado não fizesse parte do grupo dos “peticionários”, segundo o Sr. Augusto Júnior, ele também concordou com a minha proposta.

No entanto, quando me reuni com os senhores Alfredo Reinado e Gastão Salsinha, em Maubisse, no início de Janeiro deste ano, ambos negaram ter alguma vez concordado com a proposta.

Quero recordar aos senhores Deputados e a todo o povo que, no início da crise em Abril/Maio de 2006, o Sr. Alfredo Reinado me disse, a mim e à imprensa, que não era “peticionário” e que o seu caso era diferente, era separado. Só o Major Tara é que desde o início se aliou aos “peticionários”, defendendo os seus interesses. O Sr. Alfredo Reinado começou a mudar de atitude em finais de 2006, auto-proclamando-se como líder dos “peticionários”.

Por que mudou de posição? Mudou porque foi aconselhado pelos seus muitos conselheiros timorenses e não-timorenses no sentido de que, apoderando-se da causa dos “peticionários”, teria mais poder de negociação com o Governo e as F-FDTL.

Em 2006 e 2007 tive vários encontros com os senhores. Alfredo Reinado e Gastão Salsinha. Observei que, ultimamente já possuíam mais meios, evidência de que elementos timorenses e não timorenses os apoiavam na aquisição de novo fardamento, aparelhos de comunicação, telemóveis, viaturas, combustível, etc. Certa imprensa timorense e internacional que acorria aos pés do Sr. Alfredo Reinado inflacionava o seu ego. Faziam-no passar por “herói”.

Havia ONGs timorenses e indivíduos que, em vez de contribuírem para uma solução pacífica, alimentavam o ego do Sr. Reinado e tornavam-no cada vez mais irracional e arrogante.

Caros Senhores e Senhoras,

Lamento a morte do Sr. Alfredo Reinado, assim como lamento a morte de qualquer ser humano, e mesmo de um animal quando esse animal é morto sem razão, ou motivo aparente. Nós não matamos um animal por prazer. Matamos para nos alimentarmos, assim como os animais buscam alimentos e, às vezes, usam da sua força bruta. Demasiadas vidas timorenses foram ceifadas pela violência ao longo de mais de três décadas.

No penúltimo encontro que tive com o Sr. Reinado, na região de Ermera, encontro a sós, eu disse textualmente o seguinte a esse meu irmão. Repito as minhas palavras, pois foram palavras bem pensadas e sentidas por mim: “Alfredo, qual é a sua causa afinal? Posso compreender que alguém, você, pegue em armas quando está frente a uma tirania que oprime o povo e não quer o diálogo. Eu sou o Chefe de Estado de um país livre, democrático. Estou aqui `a sua frente. Desça comigo para Dili, volte à sua instituição, vamos falar com os seus companheiros de armas das F-FDTL. Alfredo, até quando você vai ficar nas montanhas? Contra quem está a combater? Sou eu o seu inimigo? Você tem mulher e filhos. Volte para a sua família. Cuide deles. Você gosta de armas, mas qualquer dia morre com elas. Quem brinca com o fogo pode queimar-se”.

O Sr. Alfredo Reinado respondeu, já exaltado: “Eu não tenho medo da morte... Eu não penso na minha família. Penso no povo”.

A este discurso barato, respondi: “Isso é falso, é demagogia. Se você diz que não pensa na família, então você não tem sentimentos para com ninguém. Quem não pensa na esposa e filhos, nos pais e irmãos, então não pode ter sentimentos para com os outros”.

No dia 11 de Fevereir,o Alfredo Reinado morre uma morte sem glória, não morre uma morte de herói, de mártir. Morre uma morte sem causa, morre pelas armas de que ele se sentia muito orgulhoso.

Como é sabido de todos, fui criticado por defender e ordenar o não uso da força para fazer prevalecer o mandado de captura em relação ao Sr. Reinado. A minha decisão não foi unilateral. Ela foi amplamente discutida no Fórum de Alto Nível e apoiada como decisão do Estado a ser acatada pelas forças internacionais. Esta era uma decisão correcta, sensível.

Quando, em 2007, se optou pelo uso da forca para fazer valer lei, cinco pessoas perderam a vida e o foragido conseguiu escapar, abandonar o diálogo, para de novo se fazer uso da força contrária ao espírito e à letra da nossa Constituição, em que se consagra a primazia da vida e o não uso da força para solucionar casos eminentemente políticos. Mesmo ao pior criminoso fugido da justiça se lhe respeita o sagrado direito à vida.

Foi por isso, e só por isso, para se evitar mais derramamento de sangue e mais perda de vidas numa sociedade que já viu demasiado sangue jorrar e vidas ceifadas pela violência, que eu, enquanto Chefe de Estado, optei pelo processo de diálogo com o Sr. Alfredo Reinado e o Sr. Gastão Salsinha.

Não sou pacifista utópico. Sou pacifista realista e pragmático, que acredita na via do diálogo. Mas tão pouco acredito cegamente no diálogo quando se sabe que o outro lado se quer impôr pela via das armas.

Caros Senhores e senhoras;

Após décadas de violência, Timor-Leste independente quer abrir uma nova página na história da construção nacional, no nosso desenvolvimento económico e na melhoria das condições de vida do povo pequeno – uma página nova que represente uma vida melhor para as crianças, as mulheres e os homens da nossa terra que põem a sua esperança nos frutos da independência.

Todos nós devemos dar o exemplo. Por isso, apelo ao Governo para que, em diálogo permanente, envolva o partido mais votado na construção dos consensos e das soluções para os desafios que o país tem à sua frente: o caso dos “peticionários”, deslocados, a reforma da Administração Pública – em particular nos sectores da Justiça, da Defesa e Segurança, e da administração descentralizada.

Os timorenses deslocados devem ser estimulados a reintegrarem-se, rapidamente, nas suas comunidades, porque a situação de segurança actual permite encarar o futuro com uma nova confiança. Vamos renovar o diálogo nos bairros para que o regresso dos IDPs seja o mais digno e pacifico possível. O problema dos IDPs está intimamente ligado à questão das terras e propriedades, à habitação, a oportunidades para que cada um possa sentir que não está abandonado e esquecido pelos líderes.

O Estado tem os meios financeiros ao seu alcance para assegurar que, a médio prazo, se possa oferecer, a cada família timorense que hoje vive em condições precárias, uma casa simples, mas condigna.

Os desafios que enfrentamos envolvem grandes causas nacionais. Continuar divididos, cada um na sua trincheira, guerreando-nos, em nada nos ajuda a ultrapassar a crise.

Temos de saber gerar soluções de inclusão política e institucional. Antes de 11 de Fevereiro, partindo de uma proposta apresentada pela FRETILIN, iniciámos diálogos com vista à criação de mecanismos de inclusão e de participação. Quero aprofundar esse diálogo, estruturante para o nosso futuro, de valorização das forças políticas representativas, no sistema democrático.

Nesse sentido, existe já alguma base legal que importa desenvolver. A lei 07/2007 prevê a criação de gabinetes para ex-titulares de órgãos de soberania. Nesta fase da vida do nosso país, todas as competências devem ser aproveitadas e valorizadas no desenvolvimento de objectivos nacionais comuns – como, entre outros, a consolidação do Estado de Direito democrático e a erradicação da pobreza.

Assim, peço a todos os ex-titulares que constituam gabinetes, criando melhores condições para participarem no esforço nacional de consolidação do Estado e do sistema democrático.

Peço, em especial, ao senhor ex-Primeiro-Ministro Dr. Mari Alkatiri, companheiro e amigo de muitos anos, que contribua com o seu gabinete, tornando-o um gabinete de apoio ao desenvolvimento, nos aspectos político, económico, social e institucional.

Um objectivo como este requer, provavelmente, mais meios e recursos do que aqueles previstos na legislação existente. Mas, no caso de esta ideia ser acolhida, o senhor ex-Primeiro-Ministro poderá apresentar propostas claras sobre as necessidades de um gabinete com esta natureza.

Darei o meu contributo empenhado para que o Governo e o Parlamento tomem iniciativas legislativas para acolher tais propostas.

Como Chefe de Estado, convidarei em breve ex-titulares de órgãos de soberania para me representarem fora do país, em missões de interesses nacional que tenham a sua aceitação. Poderão, desse modo, dar um renovado contributo para a satisfação de necessidades nacionais e para a visibilidade e a afirmação da imagem de Timor-Leste independente e unido.

É importante utilizarmos a experiência e o conhecimento de todos os timorenses ao serviço de objectivos nacionais comuns.

Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados.
Senhoras e senhores convidados.

Tenciono retomar e desenvolver o diálogo iniciado na minha residência entre o Governo representado pelo senhor Primeiro-Ministro, a AMP, representada pelo senhor Presidente do Parlamento Nacional, e todos os partidos da oposição, da FRETILIN, ao Partido da Unidade Nacional, à UNDERTIM e ao partido KOTA e o PPT.

As duas rondas de diálogo que decorreram até agora realizaram-se num ambiente positivo e felicito todos pela forma madura e construtiva com que dialogaram em conjunto.

Existem condições para encontrarmos um entendimento entre o Governo da AMP e as outras forças políticas com assento neste Parlamento Nacional, incluindo o partido mais votado, e sem negligenciar os outros partidos aqui representados.

Apesar de todas as diferenças, que são naturais na política, acredito que a liderança nacional tem como primeira preocupação e primeira prioridade a construção da paz e do desenvolvimento do nosso país.

Os meus irmãos de liderança política timorense nunca devem esquecer – mas sim ter sempre bem presentes – os erros e as lições do passado.

Em 1975, houve interferências e manipulações externas na situação interna do país. Alguns de nós caímos na teia, preparada contra nós por interesses exteriores, e guerreámo-nos na primeira guerra civil da história deste país.

Em 2006, houve elementos estranhos que fomentaram a divisão entre a PNTL e as F-FDTL. Logo a seguir à tentativa de assassinato que me visou e ao senhor Primeiro-Ministro, surgiram mútuas acusações entre dirigentes timorenses, sem se deterem a pensar se, uma vez mais, elementos estranhos a este país estariam implicados nestes hediondos crimes.

A investigação em curso, dirigida pelo senhor PGR, Dr. Longuinhos Monteiro, e apoiada pela Polícia Federal Australiana, está a revelar dados que confirmam haver elementos estranhos ao nosso país implicados, ao longo de pelo menos um ano, no fornecimento ao Sr. Alfredo Reinado de meios financeiros, de aparelhos de comunicações e de fardas.

Logo a seguir aos atentados contra a minha pessoa e o Sr. Primeiro-Ministro, alguns elementos timorenses de nacionalidade australiana fugiram para a Austrália. Outros timorenses implicados nos crimes de 11 de Fevereiro fugiram para a Indonésia.

Devo aqui registar o meu sincero apreço ao Sr. Presidente da República Indonésia, Susilo Banbang Youdhayono, que alertado por mim sobre o envolvimento de certos elementos, ordenou imediatamente que a Polícia Indonésia desse todo o apoio à nossa investigação. Elementos de alta patente da Polícia Indonésia estiveram em Díli e estão a dar todo o apoio ao senhor Procurador-Geral da República.

A Indonésia é um país de quase 250 milhões de pessoas e é quase impossível para as autoridades de fronteira controlarem o movimento de todas as pessoas que circulam para fora e para dentro da Indonésia.

O Sr. Alfredo Reinado, em 2007, entrou em território indonésio, com documentos falsos, e em Jacarta foi entrevistado pela Metro TV.

Nas vésperas dos ataques contra a minha pessoa e a do senhor Primeiro-Ministro, foram feitas dezenas de chamadas telefónicas, pelo senhor Reinado e pelo senhor Salsinha, para a Indonésia e para a Austrália.

Tenho total confiança no Estado indonésio e em particular no Presidente Susilo Bambang Youdhayono assim como tenho total confiança nos dirigentes australianos e, em particular, no PM Kevin Rudd.

Assim como Timor-Leste, desde a independência, nunca permitiu que elementos hostis à Indonésia usassem o seu território para desestabilizar o país vizinho, também acreditamos que a Indonésia não permitirá que elementos timorenses, ou não timorenses, usem o território da Indonésia – se aproveitem da liberdade e da abertura na Indonésia – para fomentar instabilidade no nosso país.

Excelências,

Quero uma vez mais sublinhar a conduta exemplar dos efectivos do Comando Conjunto e de todos os seus oficiais, que conseguiram a rendição de 26 elementos e a entrega das respectivas armas, quase sem terem disparado um tiro.

Ao Sr. General Taur Matan Ruak e, através dele, a todos os oficiais e efectivos das forças, uma palavra de parabéns do Comandante Supremo das Forças Armadas.

Para a PNTL, através do seu Comandante-Geral interino, Afonso de Jesus, igualmente uma palavra de parabéns a todos os efectivos policiais.

Apelo às duas forças para que nunca mais haja desconfianças entre si e falsas divisões. As F-FDTL e a PNTL são forças nacionais, com o dever de defender a Pátria e todo o povo. Não devem cair na teia daqueles que as querem dividir para desestabilizarem a nossa nação.

O nosso Estado vai investir na melhor preparação das forças. Vai dar às F-FDTL e à PNTL mais formação e melhores meios materiais para exercerem as suas funções com dignidade e profissionalismo.

Aos ditos “peticionários”, assim como àqueles elementos do grupo do Sr. Alfredo Reinado que se entregaram, quero garantir que não haverá nem perseguição, nem discriminação.

Serão tratados com todo o respeito pela sua dignidade pessoal e pela sua integridade física, de acordo com a lei e como é garantido pela nossa Constituição. Sei que a esmagadora maioria dos ditos “peticionários” abandonou as forças armadas porque foi manipulada.

Quero também reiterar, perante o digno Parlamento Nacional e perante todo o povo de Timor-Leste, que – como Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas –, o comportamento do falecido Sr. Alfredo Reinado e do Sr. Gastão Salsinha me merecem a mais firme condenação.

Essa condenação é tanto maior quanto, como oficiais das Forças Armadas, tinham o dever e a obrigação, perante toda a Nação, de lealdade, disciplina e obediência aos seus superiores.

O dever de um oficial das forças armadas, como da polícia, é de lealdade ao seu país e de respeito pelo Estado, que devem proteger e defender. Um oficial tem o dever de contribuir para a solução dos problemas da instituição e de dirigir os homens sob o seu comando tendo em vista os objectivos da instituição e do país. Provocar motins, ou insurreições contra o Estado e as Forças Armadas, são comportamentos inaceitáveis, impróprios de verdadeiros oficiais.

O regresso desses dois elementos às Forças Armadas é inaceitável e não poderia, nunca, ter o meu apoio. Dentro de cinco anos, o General Taur Matan Ruak e outros grandes oficiais das nossas forças que vieram da luta armada passarão à reforma que bem merecem. O Estado muito lhes deve pelos mais de 30 anos de patriotismo, dedicação e abnegação. Tudo deram ao povo e a Pátria, e tudo deve fazer o Estado livre e democrático para os honrar e reconhecer o seu direito de repouso na reforma.

Mas pergunto: quem os substituiria? Oficiais como os Srs. Reinado e Gastão Salsinha?

A minha resposta é um NÃO categórico, pois traíram a própria instituição e os seus companheiros. Aqueles que, apesar de todas as falhas e insuficiências que afligem a instituição das Forcas Armadas, se mantiveram fiéis a essa instituição histórica nascida do sangue do povo e de tantos heróis filhos deste povo, esses sim, reúnem condições para tomar o lugar daqueles que o peso da idade e de décadas de sacrifício aconselham à reforma.

Mas, por outro lado, apelo ao senhor Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa e Segurança, ao Chefe do Estado-Maior General das Forças, e ao Comando da PNTL para abordarem com firmeza os problemas existentes nas Forças Armadas e na nossa polícia.

As nossas forças têm problemas de falta de incentivo aos seus efectivos, necessidade de mais formação, carência de infra-estruturas, de meios logísticos e de comunicações.

Os homens e as mulheres das duas instituições, a quem exigimos que defendam a lei, a ordem e a integridade do país, têm de ser tratados à altura do que lhes é pedido e de dispor dos meios correspondentes.

As exigências que fazemos às duas instituições são maiores do que aquelas que o país faz a outras instituições do Estado.

O Ministério de Defesa e a chefia das Forças Armadas devem ser firmes na solução dos problemas que persistem na instituição, designadamente de ordem disciplinar, má gestão dos recursos existentes e utilização indevida de meios e propriedades do Estado.

Além dos problemas relacionados directamente com a segurança, Timor-Leste tem à sua frente outros desafios importantes. O mais urgente é o da ponderação dos meios financeiros disponíveis para o combate à pobreza.

Caros Senhores e Senhoras,

Como membro do I Governo Constitucional, orgulho-me da Lei do Fundo do Petróleo e do mecanismo criado para o seu funcionamento. À época, foi uma solução inteligente, séria e transparente.

Mas as circunstâncias mudaram. O Fundo de Petróleo, presentemente, só beneficia o tesouro dos Estados Unidos, a troco de uma remuneração de capitais muito insuficiente. Essa remuneração, aos níveis actuais, aliada à desvalorização do dólar - que reduz para cerca de 50% o poder de compra do dólar -, já nos fez perder centenas de milhão de dólares.

A grande crise financeira e alimentar mundial que vivemos, associada à subida do preço dos combustíveis e dos alimentos de primeira necessidade, está a afectar milhões de pessoas em todo o mundo e, em Timor-Leste, ameaça agravar perigosamente os índices de pobreza se nada for feito para mudar a situação.

Por isso, o Governo deve iniciar diálogo com as bancadas da oposição, para alterar a Lei do Fundo de Petróleo, de maneira tão consensual quanto possível.

É vantajoso para o país aproveitar os recursos de conhecimento e de experiência do líder da oposição, Dr. Mari Alkatiri, e de outros respeitados ex-ministros, como o Eng. Estanislau da Silva, Dra. Ana Pessoa, Dr. José Teixeira. São patriotas timorenses com profundo conhecimento do dossier do petróleo e também sentem a dor dos pobres.

A reforma do Fundo de Petróleo é indispensável para apetrechar o nosso Estado para as suas grandes prioridades: o combate à pobreza e o impulso do desenvolvimento sustentado, criador de emprego para os nossos jovens.

O combate à pobreza, e o reforço da coesão nacional e social são duas faces do mesmo dever do Estado timorense – promover o desenvolvimento da nossa sociedade e consolidar as instituições.

Excelências,

Para concluir, quero lançar um desafio a todas as forças políticas, para o diálogo e para o entendimento. Estou convicto de que é possível construirmos a paz à volta das prioridades mais importantes do país e cultivar o entendimento político para afastarmos de nós a pobreza. Acreditarmos em nós mesmos, no melhor que cada um tem dentro de si, é, afinal, o verdadeiro desafio.

A Presidência da Republica, para celebrar a Fé e renovar a Esperança nos Timorenses, vai decretar, no dia 20 de Maio, um amplo perdão que beneficiará todos os condenados a penas de prisão que tiverem bom comportamento prisional. Rogério Lobato será um, de entre os mais de 80 beneficiários do indulto presidencial.

Saber perdoar é uma virtude que nós precisamos de cultivar no nosso coração, bem como sermos humildes e estarmos atentos aos sentimentos dos nossos irmãos. Vamos consagrar o dia em que foi restaurada a nossa Independência Nacional, como o Dia do Perdão e da Clemência entre os timorenses. A Presidência da Republica conta com todos para a reconstrução da Paz e do Desenvolvimento na nossa Pátria amada Timor-Leste.

Excelências

Conheci o valor da dor e da angústia. Senti a vulnerabilidade cruel da realidade humana. Esta experiência leva-me a compartilhar de uma forma humana a vulnerabilidade do meu povo. Mas os acontecimentos também confirmaram, sem qualquer dúvida, que o Estado é capaz de funcionar em tempos de crise. Nós não somos um Estado falhado.

Depois do 11/2 nada é igual. Mudámos a página da história de Timor-Leste. Deus não dividiu o Mar Vermelho perante os Israelitas até a água chegar aos seus narizes.

Estamos no cruzamento onde, enquanto povo de Deus, somos chamados a escolher entre uma dura vitória ou uma simples derrota. Na Bíblia há uma injunção para escolher a vida em vez da morte. Deus disse a Moisés: “Dou-te a escolher entre a vida e a morte, a bênção e o pecado; portanto escolhe a vida.”

O profeta Jeremias recorda-nos que a vontade de Deus é para fazermos “boas acções, justiça e firmeza na terra” (Jer 9:24). E o profeta Isaías disse: “Aprende a praticar o bem, defende a justiça, ajuda os oprimidos, protege os direitos dos órfãos, defende a causa das viúvas” (Isaías 1:17).

Temos a nossa terra graças ao sacrifício de muitos que deram as suas vidas, e de muitos outros que ainda hoje se encontram marcados pelas cicatrizes da guerra e da tortura. Temos a nossa terra, e é nossa para valorizar e proteger. Temos um lugar no palco do mundo como o primeiro Estado criado neste milénio. Temos uma terra que, pela graça de Deus, é nossa para amarmos e protegermos. Temos uma terra construída em altos princípios dos direitos humanos e do direito internacional.

Mas quase que estivemos para a destruir: não somente pelos atentados de 11 de Fevereiro contra duas importantes instituições da nação, como também contra o povo que diariamente luta para sair da pobreza, falta de alimentos, enfraquecido, desempregado.

Recuperamos, através da luta de libertação que custou a vida de muitos irmãos, a terra prometida do povo Maubere, mas desde então perdemos o sentido com violências que custaram a vida de muitos sobreviventes às atrocidades da ocupação. E nós, que fomos escolhidos pelo povo para construirmos uma nação democrática com respeito pela dignidade humana e pelos direitos humanos, estamos preocupados com o poder dos partidos, em vez do poder do povo.

Se nós hoje revisitarmos os nossos ideais, os ideais que inspiraram a nossa luta pela independência e liberdade, seremos de novo chamados a resistir a forças destrutivas.

Para ganharmos a liberdade que é nossa, com o nascimento desta nação, devemos diariamente resistir aos poderes internos que destroem ou desvalorizam a grande vitória.

Precisamos de resistir a qualquer tendência: ao abuso do poder, para desvalorizar em vez de construir; à corrupção a altos níveis; à cultura da violência; a qualquer tentativa de colocar os interesses dos partidos acima dos valores comuns do povo e da nação; à cultura da impunidade que esquece a necessidade de verdade e justiça de parte das vitimas; a um espírito de pessimismo, ou mesmo de cinismo, que aceite o status quo em vez de lutar para valores mais elevados como a reconciliação e paz. Devemos resistir ao espírito derrotista.

Que Deus Todo-Poderoso e Misericordioso nos Abençoe.

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